Moda inclusiva: “Pessoas com deficiência não querem um lugar especial, querem fazer parte da narrativa”
Conheça Michele Simões, a estilista e consultora de estilo que luta pela moda inclusiva e está transformando o olhar da moda brasileira sobre as pessoas com deficiência.
Quando sofreu um acidente de carro em 2006, Michele Simões, recém formada em moda, não tinha ideia de qual futuro lhe esperava. Após ficar quase quatro anos sem poder se sentar por conta de lesões graves na medula, a cadeira de rodas se tornou sua companheira diária. Ela não apenas aprendeu a lidar com o novo corpo, mas também a enxergar o mundo pelos olhos de uma pessoa com deficiência. Nasceu aí um propósito: defender a moda inclusiva.
Depois de trabalhar como designer de sua própria marca de acessórios, também passou a se dedicar à consultoria de moda. Foi então que percebeu que milhões de brasileiros não são notados como público consumidor. Mesmo assim, ela acredita que é preciso reconhecer a evolução deste cenário.
Michele conta que hoje já existem pequenas e grandes marcas assumindo a frente da moda inclusiva, produzindo roupas e acessórios para pessoas com deficiência. Porém, a questão é ainda mais ampla. “Existe uma série de problemas, desde o processo de aprendizado até o atendimento que inclui layout de lojas e comunicação acessível. É uma cadeia de ações”, diz.
Tornar especial não é incluir
A estilista conta ainda que o que mais incomoda do cenário da moda é o capacitismo, ou seja, como a sociedade ainda vê a pessoa com deficiência incapaz de fazer parte das dinâmicas do cotidiano.
“Estamos falando de pessoas que não andam nuas, que precisam se vestir. São milhões de pessoas que se vestem sem repertório, sem um bom atendimento, sem qualquer referência”.
Para ela, a moda é uma ferramenta valiosa para o indivíduo por proporcionar pertencimento, algo intimamente ligado à representatividade. “A partir do momento em que você tem campanhas e editoriais que trazem corpos com deficiência, você faz com que a pessoa se perceba ali. A gente sempre lida com a deficiência como um tabu grande, mas a moda é um instrumento de quebra de estereótipos. Quando naturalizamos esses corpos, começamos a entende-los como parte da sociedade, não como algo segregado”.
Além disso, Michele espera que pessoas com deficiência busquem o diálogo com pessoas sem deficiência, e vice-versa. Só assim seria possível a verdadeira inclusão. “Vejo um cenário de pessoas com deficiência produzindo conteúdos incríveis, mas que não chegam às pessoas sem deficiência. Não adianta a gente se autoincluir”, explica.
O nascimento do Meu Corpo é Real
O projeto Meu Corpo é Real pode ser definido como uma plataforma de multiatuação que promove discussões em torno da moda inclusiva. No site e nas redes sociais, Michele produz e organiza conteúdo que contribui para a percepção individual de pessoas com deficiência e alavanca iniciativas de marcas e empresas que têm a inclusão dentro de suas políticas.
Hoje, o Meu Corpo é Real é uma empresa com o propósito de educar o mercado para um público que tem mais potencial do que nunca.
“Dentro da inclusão, a gente precisa humanizar a deficiência. Nossa sociedade ainda trata a deficiência como um produto pronto, com normas, regras. Ali dentro há indivíduos que precisam ter suas vozes e vivências colocadas. Quero conseguir pontuar questões sobre deficiência dentro da moda e sei que nem todo mundo vai se reconhecer nisso, e tá tudo bem”.
Fashion Day Inclusivo
Um dos projetos de maior impacto dentro do Meu Corpo É Real foi o Fashion Day Inclusivo, que ofereceu oficinas de maquiagem, workshops de estilo, palestras sobre mercado e conhecimento. Com isso, Michele deseja trabalhar a autoestima desse público usando a moda inclusiva para que as pessoas percebam as potencialidades de seus corpos.
Este evento também foi berço de uma experiência que deu certo: a inclusão reversa. Trata-se de pessoas sem deficiência que vivenciam o dia a dia de uma PCD. Elas são desafiadas a realizar atividades corriqueiras com os olhos tapados, ou em uma cadeira de rodas, compreendendo na prática cada dificuldade vivida por este público.
“Um dos maiores aprendizados foi ver a quantidade de indivíduos que existem por trás de uma condição. Comecei a entender que mais do que tornar acessível, era preciso entender as pessoas que estavam ali. E o quanto ainda essa visão da inclusão é equivocada. São pessoas que têm uma mesma condição, mas que pensam de maneiras diferentes”, diz a empreendedora.
Algodão é parceiro de pessoas com deficiência
Michele se diz fã de tecidos de algodão por conta da durabilidade e da respirabilidade que oferecem à pele. E este é um atributo importante para pessoas que estão em cadeira de rodas ou que têm mobilidade reduzida. “Sempre dou preferência para o algodão quando vou comprar roupa. Dependendo da deficiência da pessoa, é importante adicionar a algumas partes, junto com o algodão, algo para deixá-lo mais flexível, como o elastano, por exemplo”.
Ela também indica 4 marcas que têm se dedicado à moda inclusiva no Brasil, desenvolvendo roupas com funcionalidade adequada para pessoas com deficiência. Confira:
Sob comando da estilista Silvana Louro – que também foi modelo nos anos de 1970, a marca oferece roupas com marcações em braile, acessórios como pochetes para cadeirantes, entre outros.
Calças e bermudas com abertura frontal, tênis para pisadas fora dos padrões, roupa íntima funcional. Essas são algumas das apostas desta marca pioneira no Brasil no segmento.
Além de peças adaptadas para pessoas com deficiência, a Freeda também tem uma linha de roupas para idosos acamados ou sem mobilidade, que facilitam a higiene e o trabalho de cuidadores.
Utilizando a moda como ferramenta de voz, a CEO da empresa Grace Santos tem o propósito de oferecer às pessoas com deficiência mais estilo e autonomia para se vestir.
Em nosso país existem mais de 45 milhões de brasileiros que possuem algum tipo de dificuldade para ver, ouvir, se movimentar ou algum tipo de incapacidade mental. Para se ter uma ideia, se o Brasil tivesse 100 pessoas, aproximadamente 7 delas teriam deficiência motora, 5 teriam deficiência auditiva e 19 teriam deficiência visual.
Fonte: IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
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