Uma nova mentalidade de consumo pós Covid 19 pode abrir vantagem para o algodão brasileiro
Marcio Portocarrero desvenda o que aguarda o mercado. Num futuro pós-pandemia, a boa notícia vem do algodão brasileiro.
Uma das grandes perguntas que o mundo se faz, nesse momento de isolamento social imposto pela Covid–19, é se seremos essencialmente os mesmos depois que tudo isso passar: quando disserem que poderemos sair de casa, ainda que com cuidados especiais, e voltarmos à vida que deverá ser aceita como o “novo normal”.
Tanto tempo de confinamento, e os efeitos em cascata da pandemia sobre os negócios, os empregos e a renda das famílias, nos obriga a repensar prioridades. Comer e vestir-se são necessidades básicas, mas prioridades diferentes. Grandes mudanças já estão ocorrendo no modo que nos alimentamos e, cada vez mais, em como nos vestimos.
Roupas novas pra que?
A impossibilidade de sair de casa sem restrição, em si já, afeta nosso jeito de consumir roupas. Primeiro, porque as lojas estão fechadas, e muitos ainda sentem falta da experiência de provar as peças, pedir ou não a opinião do vendedor, ou então não se sentem suficientemente seguros com as compras online. Depois, roupas novas para quê, se não podemos sair de casa para exibi-las; se o home office economiza tempo de escolha e reduz a demanda por novas peças?
Isso nos leva a crer que, quando as portas se abrirem, talvez venhamos a descobrir que podemos viver com menos, ou que não precisamos consumir desesperadamente para estar em dia com as novas tendências a cada estação. É nesse ponto que acredito que o algodão, como matéria prima, pode encontrar grandes oportunidades e assumir o protagonismo ameaçado pelos sintéticos.
Para muitas pessoas, a quarentena representa trabalhar mais. Uma jornada que vai muito além da usual. Isso demanda conforto, roupas que deixem a pele respirar e não causem alergias.
Conforto é prioridade
Pijama seria uma tentação, mas todo mundo sabe que somos mais produtivos quando nos arrumamos para trabalhar em casa. Além disso, uma vez que passamos a gastar menos com roupas, quando o fizermos de novo, qualidade e durabilidade serão pré-requisitos de um novo modo de consumir.
O slow fashion deverá levar vantagem sobre o fast fashion, o que também pode ser lido como algodão versus plástico. Se esta opção se confirmar no mindset do consumidor, agregada a uma exigência por produtos e processos sustentáveis, a cadeia produtiva vai responder à demanda da ponta final para a inicial. A moda descartável deverá ser seriamente abalada em médio e longo prazo.
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As vantagens do mercado do algodão brasileiro
A boa notícia, que vem da cotonicultura brasileira, é que estamos preparados para essa nova mentalidade de consumo. Somos o quarto maior produtor mundial de algodão e o maior fornecedor de fibra sustentável do planeta, com 31% do total licenciado pela ONG suíça Better Cotton Initiative (BCI).
Essa entidade global atua, desde 2013, em benchmark com o programa Algodão Brasileiro Responsável (ABR), desenvolvido pela Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), e implementado em campo pelas associações estaduais de produtores afiliadas.
As duas iniciativas, ABR e BCI, têm protocolos unificados para os cotonicultores que decidem seguir o passo a passo da sustentabilidade, levando em conta os pilares ambiental, social e econômico. Atualmente, 80% do algodão que sai das nossas lavouras são certificados. As fazendas que se habilitam à certificação/licenciamento precisam cumprir exigências rigorosas em seus processos, tanto na lavoura, quanto de gestão. Elas são auditadas por certificadoras renomadas nacional e internacionalmente, e, só então, recebem a chancela.
O ABR e a sustentabilidade da cadeia
O ABR é ancorado nas legislações ambiental e trabalhista do Brasil, consideradas das mais completas e exigentes do mundo. São 224 itens a serem atendidos, só na fase de verificação para diagnóstico que antecede a certificação. Para finalizar o processo, da parte do ABR, são 153 itens e, pela BCI, outros 25, somando 178 requisitos.
Os itens verificam oito critérios: contrato de trabalho (1), proibição do trabalho infantil (2), proibição de trabalho análogo a escravo ou em condições degradantes ou indignas (3), liberdade de associação sindical (4), proibição de discriminação de pessoas (5), segurança, saúde ocupacional e meio ambiente do trabalho (6), desempenho ambiental (7) e boas práticas agrícolas (8). O ABR, assim como a BCI, tem como fundamento o incremento progressivo das boas práticas sociais, ambientais e econômicas nas unidades produtivas de algodão. Assim, a cada safra, conquistar o reconhecimento de sustentabilidade fica mais desafiador.
A sustentabilidade do algodão brasileiro além de comprovada é rastreável. Para ter certeza de que está comprando algodão produzido nos parâmetros sustentáveis, a indústria tem acesso a uma etiqueta de código de barras, que funciona como um “RG” de fardo de algodão. Toda pluma comercializada no país tem essa tag, que faz parte de uma outra iniciativa da Abrapa, o Sistema Abrapa de Identificação (SAI).
Assim como a sustentabilidade, a rastreabilidade é um dos compromissos da associação, e engloba não apenas o ABR/BCI, como as características da fibra aferidas na classificação, além a sua origem. Podemos dizer, com certeza, de que fazenda veio cada fardo que produzimos, e em que condições isso se deu.
Se, após a Covid 19, a sustentabilidade deixar de ser um nicho de mercado para ser requisito básico do consumidor, nós já fizemos o dever de casa e podemos entregar a certeza de que, se uma peça tem algodão brasileiro na sua composição, essa matéria prima foi cultivada em parâmetros responsáveis e justos para com o meio ambiente e as muitas pessoas que ajudaram a cultivá-lo.
Quando teremos uma rastreabilidade via qrcode ou RFID para o consumidor ter conhecimento da origem da roupa que está vestindo.
Se foi produzida com fibras sustentáveis e de que região do mundo saiu a fibra. Hoje tudo que sabemos de modo geral que é mede in China.