Ópera do algodão
Em cinco atos diferentes, a matéria-prima mostrou toda sua versatilidade e poder na 44ª edição da Casa de Criadores
O show começou com Gaby Amarantos, mas teve ópera, trilha sonora clássica – a exemplo a música tema de “O Poderoso Chefão” -, performances teatrais e até exaltação das Yabás, as Orixás femininas, tudo permeado por um casting de modelos igualmente plural.
Na chamada Noite do Algodão, em que os cinco desfiles apresentados na 44ª edição da Casa de Criadores, em parceria com o Movimento Sou de Algodão, tinham a matéria-prima como protagonista, a fibra provou toda sua força – e versatilidade. Sim, do Street ao couture, cada estilista respeitou a própria identidade e criou peças emblemáticas.
O primeiro desfile, com curadoria de André Hidalgo e styling de Gustavo Silvestre, foi o mais mixado de todos, já que trouxe um pot-pourri de diferentes estilistas da casa – para continuar na analogia musical, foi uma espécie de mash-up do que viria a seguir.
Teve muito denim – inclusive no look de Gaby Amarantos e nos vestidos das noivas que carregavam buquês de algodão, em uma das imagens mais bonitas e fresh da noite -, moletom, peças oversized, em sintonia com o streetstyle internacional, e looks mais sofisticados, como o que abriu a apresentação. Tudo utilizado por modelos das mais diversas idades e até uma grávida, reforçando o viés democrático do algodão e da própria Casa de Criadores.
Créditos: Marcelo Shoubia
Na sequência, o segundo ato, com direito à dramaticidade: Rober Dognani, um dos nomes mais consagrados do line-up, mostrou que moda não se resume a roupas, também engloba sonho e magia. Homenageando grandes costureiros que o inspiraram ao longo de sua carreira – e que já faleceram, como Maria Cândida Sarmento, da Maria Bonita, e Zuzu Angel -, ele levou estilistas da rua das Noivas e da 25 de março, entre outros endereços pop, para “interpretarem” esses ícones e trabalharem o algodão cru na técnica de moulage, em real time. Tudo pano de fundo para as roupas de algodão resinado, mangas e golas bufantes, como uniformes de grandes pierrôs. Sem dúvida, o algodão, aqui, ganha um caráter teatral, de vanguarda.
Créditos: Marcelo Shoubia
Mais vida real, do tipo que dá vontade de usar agora, mas igualmente impactante, a apresentação de Renata Buzzo, que vem se firmando como uma das forças jovens da moda nacional (esse foi seu 5º desfile no evento), partiu de uma “salada afetiva”, nas palavras da própria estilista, para parir looks extremamente elaborados, que desmistificam a aura básica do algodão. “Quando comecei a estudar a matéria, vi as possibilidades que ela dava e minha cabeça ferveu, porque dá para fazer muita coisa. O caimento é incrível, mesmo o tecido sendo pesado”, conta. “E, quando quis leveza, cortei o algodão em pedacinhos, criando uma superfície que lembrava umas escamas”.
Sustentável, a coleção não teve um desperdício sequer: “Usei, inclusive a ourela, que na faculdade aprendemos a descartar, bordada nas roupas. Aproveitei 100% do material”.
Resultado? Vestidos e tops com shape retrô – a inspiração eram seus avós -, totalmente contemporâneos e prontos para a festa. “Fui fiel a algumas coisas, como cavas americanas e a silhueta godê, originais da década de 50, e também investi em mangas bem 80´s, nessa brincadeira de mesclar décadas e contar a trajetória deles. Minha avó sempre foi muito consumista, comprava em duplicata, uma de cada cor, por isso coloquei macacões e casacos em preto e branco, sempre com a etiqueta, que ela também deixava na roupa”. E até os óculos gatinho tinham algodão na composição: feitos em parceria com a Moon Eyerwear, eles levam caroço de algodão.
Créditos: Marcelo Shoubia
Do passado glamouroso para o presente superfun, o “ato” de Igor Dadona teve muitas peças Street, oversized, repletas de recortes coloridos e bordados pop – além de um styling que privilegiou o clash de padronagens, deixando tudo ainda mais moderninho. O algodão certo para a turma “descoladx”, que quer conforto sem monotonia.
Créditos: Marcelo Shoubia
E, fechando a noite em grande estilo, Isaac Silva, que tem colocado sua moda superbrasileira na pauta do dia, mais uma vez honrou suas tradições e vestiu suas Yabás, as Orixás femininas, com algodão nos tons de cada uma – começando pelo vermelho de Iansã, passando pelo azul Iemanjá e lilás Nanã, e chegando ao ouro de Oxum. O vestido que abriu o show, um tomara-que-caia com um laço enorme e saia rodada de patchwork merece um baile de gala.
Créditos: Marcelo Shoubia
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