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moda & estilo

A arte de usar plantas, folhas e frutos que colorem a moda sustentável

29 de novembro de 2017 | 0

Tornar a moda sustentável não é uma tarefa fácil, mas há iniciativas que, ainda em pequena escala, vêm fazendo a diferença na moda brasileira, usando criatividade e pesquisa para tingimento e estamparia de tecidos ambientalmente corretos. De quebra, beneficia comunidades de pequenos produtores e até cadeias que não têm conexão com a moda, através do aproveitamento de resíduos para a extração de pigmentos para coloração de tecidos. Conheça três iniciativas superinteressantes em estamparia sustentável.

Etno-Botânica: uma mudança de consciência e a transformação dos tecidos através do uso de extratos da natureza.

A vida da cientista política Leka Oliveira sempre foi ligada à moda, desde o início de sua carreira. E, de seu curso de formação, aprendeu que a política de trabalho em empresas convencionais não era o que queria, então buscou alternativas mais justas e saudáveis tanto no âmbito profissional, como no pessoal.

Com seu companheiro de vida e trabalho, o pesquisador Eber Lopes Ferreira, fundou, em 2008, o Atelier Etno-Botânica (www.etnobotanica.com.br), em Itamonte/MG, focada 100% no desenvolvimento de cores e estampas para tecidos, por meio de processos sustentáveis. Entre seus clientes no Brasil, estão nomes como Osklen, Gilda Midani, Vert, Flavia Aranha, Forest Soul, Il Casalingo, Iara Wisnik e Pano Social, além de marcas na França, Itália e Grécia.

A empresa cultiva plantas tintoriais, em parceria com pequenos agricultores de diferentes biomas do país, e isso promove um trabalho social, gerando renda para essas pessoas. É também a única empresa no Brasil que planta a anileira natural, cultivada para a extração do pigmento azul vegetal índigo, um dos mais antigos corantes azuis têxteis, usado na produção do tecido denim (ou jeans).

Muita gente não sabe, mas para chegar ao índigo, o processo é lento. As folhas são colocadas de molho por horas, período em que o pigmento azul desce para o fundo, formando quase um lodo. Após secar, ele trinca, como um solo ressecado, e se transforma em pedaços, que, posteriormente, darão origem ao pó corante.

Há 20 anos em São Paulo, a mineira Leka se orgulha de ter mudado de vida, por “hábitos verde escuro”, ou seja, “realmente ecológicos, não da boca para fora”. Com a mudança de consciência, também mudou a alimentação, e partiu para relacionamentos interpessoais mais saudáveis e menos estressantes. Abraçou a moda verde.

Em 2014, criou o Studio InBlue Brazil (http://www.inbluebrazil.com/), voltado exclusivamente ao tingimento natural de tecidos e elaboração de peças confortáveis e ecológicas. A empresa tem parceria com a ONG Regua (http://regua.org.br/), que promove a semeadura de árvores na Mata Atlântica: a cada peça vendida pelo InBlue Brazil, o consumidor patrocina um novo plantio de árvore naquela região, que pode ser monitorado por meio de GPS.

Leka acompanha toda a cadeia produtiva dos tecidos e corantes com os quais trabalha. O InBlue Brazil, além de fazer tingimento para outras empresas, produz camisa, camiseta, saia, saída de banho, jogo americano, toalha, cortina, almofada e outros itens. No vestuário, as peças não possuem gênero, tampouco tamanho definido. O que importa é o conforto e a liberdade, e destaca que cada peça tingida artesanalmente é única, exclusiva: “o tingimento artesanal impõe outra forma, contém os veios, as peças são tingidas uma a uma, a diferença é nítida.”

“Cores existem em diversas partes da natureza, mas há as que são boas para têxteis, como as que não são. Dentro dessa gama [boa para têxteis] estão frutos como romã, sementes como urucum, raízes como açafrão e rúbia, o pau-brasil, cuja matéria cromática, vermelha, está no cerne da árvore, assim como a taiúva (que gera quatro cores diferentes:  amarelo, laranja, verde e marrom), além de flores.”

Sobre os tecidos, Leka concorda que o algodão sustentável possui uma receptividade excelente para o tingimento natural, além de ser leve e oferecer respiro para a pele.

Ateliê Shibori+Textiles: a cultura oriental como influência no pensamento sustentável da produção têxtil

A arquiteta e designer têxtil Tatiana Polo sempre teve um pé no desenho e, outro, na natureza. Conta que desde sempre torcia o nariz para tecidos sintéticos, que para ela eram sinônimos de desconforto, não tinham a pegada tecnológica atual. Gostava de ter roupas que ela mesma desenhava. Queria ter peças com tecidos diferentes para vestir.

Em 2001, viajou para Ishikawa, terra natal de seu avô, para atuar como estagiária em um ateliê de pintura em quimonos. “O Japão é um país com forte tradição em processos manuais têxteis, tingimentos naturais e tintura índigo. Os artistas e artesãos da área têm um relacionamento muito bacana entre si, então tive a oportunidade de conhecer amigos de meu professor que trabalhavam com índigo e tingimento vegetal, e visitar lugares.”

Foi lá que teve sua estreia com tingimento à base de extrato vegetal, e participou do primeiro workshop com tintura índigo natural. “Foi uma imersão em diversos aspectos, pois já havia a questão do uso do algodão sustentável, praticavam diversas formas de reciclagem, de roupas a lixo. Pude conhecer o trabalho da People Tree, que tem um olhar consciente sobre consumo e produção há décadas. O tema da reutilização sempre foi importante, dentro da cultura japonesa, muito devido à guerra, por ser um país isolado”, explica.

Por conta da viagem, Tatiana teve a vivência em diferentes processos, entre eles o Shibori, prática tradicional japonesa de tingimento formado com dobra e costura do tecido, do qual se utiliza desde 2002, e dá parte do nome a sua marca, o Ateliê Shibori+Textiles (https://www.facebook.com/shibori.tati/). Ao método, ela incorporou outras técnicas, como a impressão de plantas em tecidos.

A designer diz que no início teve de correr atrás de muita informação para entender o tingimento natural. Foram anos até migrar definitivamente para o uso dos corantes naturais.

Para produzir suas tinturas, Tatiana recorre a matérias brasileiras, ou o que o entorno de uma cidade como São Paulo oferece, como cascas que o mercado descarta, folhas, sementes e flores. Frequenta parques locais para coletar folhas e flores que caem de árvores. “É interessante porque a sua relação com a cidade, com a natureza e com a vida se modifica e se amplia por meio desses processos. E penso que é aí que se reestabelece uma reconexão, pois me torno atenta aos ciclos da vida através da observação, da vivência, e tenho que saber respeitá-los, conhecer os materiais que uso e isso só tende a se ampliar.”

Como tecidos, Tatiana usa algodão e seda, e lamenta que artistas e artesãos, de produção limitada, ainda esbarrem na dificuldade de acesso a um produto de origem mais sustentável, por conta da falta de oferta e preço.

Ela explica que o processo da tinturaria vegetal em si é lento, é necessário paciência e dedicação. São no mínimo duas horas para extração e tingimento, fora os processos de obtenção da estamparia.

E lembra que o cuidado na construção de um produto tão elaborado precisa também desse olhar do consumidor. “O ideal é que [peças que recebem tingimento natural] sejam lavadas manualmente, com sabão neutro, secadas à sombra e guardadas, preferencialmente, enroladas em uma folha de seda.”

Flávia Aranha: valorizando a moda através do trabalho manual e de soluções sustentáveis 

Outra personagem de peso nesse mercado de tingimento natural é a estilista Flavia Aranha (http://flaviaaranha.com/), que começou sua carreira na grande indústria, mas logo percebeu que seu caminho era outro. Descobriu o tingimento natural, insumos para trabalhar de forma sustentável e consciente, e deu uma guinada para outras formas de produzir moda.

Por meio de referências familiares, cresceu em contato com bordados da Ilha da Madeira (Portugal) e rendas do Nordeste, ao mesmo tempo em que assistia a mãe cuidar da horta da fazenda da família, no interior de São Paulo. Numa viagem de pesquisa ao Oriente, encantou-se com a alegria das pessoas e as cores dos tecidos indianos, tingidos com técnicas ancestrais. “Quando voltei ao Brasil, resolvi seguir o caminho de uma confecção natural, responsável e que valoriza o trabalho manual e as pessoas que o realizam”.

A estilista se utiliza de vários materiais para tingir as peças, entre eles, pó de café, cascas de cebola roxa e cascas de romã. Em sua coleção mais recente, verão 2018, as roupas foram tingidas com serragem de pau-brasil, crajiru, eucalipto, macela, arroz negro, ipê roxo, cebola amarela, tango, chá preto, carqueja e aroeira.

Ela busca suas matérias primas nos lugares mais inusitados. “Temos diversas possibilidades, parceria com restaurantes locais para colher as sobras de alimentos da preparação; a serragem do pau-brasil, por exemplo, vem de uma parceria de uma fábrica de violinos do Espírito Santo, e por aí vai. Todos têm possibilidade de adquirir cor no cotidiano, também aprendi a olhar para o que seria lixo e colorir minhas peças.”

É regra no tingimento natural a preocupação com o meio ambiente e com quem produz os materiais que são usados. Nessa toada, a estilista alia fazeres tradicionais de povos ancestrais com tecnologia, o que favorece muito a cadeia produtiva. “Acredito que o comportamento de consumo deve ser consciente e ater-se a esse movimento é valorizar não só o produto final, como também, seus materiais, e, especialmente, quem o produziu.”

Para acompanhar a cadeia produtiva dos tecidos que utiliza, Flavia mantém parcerias. Uma delas é a cooperativa Amaria, de Mayumi Ito, em Muzambinho, Minas Gerais, que tece e tinge algodão e seda artesanalmente. Outra é a Natural Cotton Color, de onde ela adquiriu produtos feitos com o algodão colorido da Paraíba. Além disso, desde o final de 2016, todas as peças que a estilista comercializa possuem uma etiqueta com QR-code, com acesso a pequenos filmes apresentando todo o processo de produção, que começa na colheita do algodão sem agrotóxicos, presente em 50% do que vai para as araras na hora da comercialização.

Soluções não faltam para uma produção de moda mais sustentável. Por estes exemplos, concluímos que sozinhos não chegamos a nenhum lugar. A sustentabilidade da cadeia requer colaboração, parcerias e construção conjunta de objetivos e propósitos, alinhados com a consciência do consumidor, cada vez mais antenado, criterioso e exigente em relação à origem dos produtos que adquire. É um caminho sem volta, e o meio ambiente agradece!


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