O defeito que vira efeito: como Agustina Comas cria novos significados a peças rejeitadas pela indústria
Quantas peças a indústria têxtil fabrica mensalmente para abastecer o varejo? Milhares? Milhões? E, quantas delas devem ser rejeitadas por pequenos, ou grandes defeitos, e ficam em armazéns ou, simplesmente, vão para o lixo? Só quem foi atrás dessas informações sabe o impacto ambiental (e econômico) dessas peças que não chegam às prateleiras.
Agustina Comas, uruguaia radicada no Brasil há 13 anos, é uma dessas pessoas brilhantes que teve essa preocupação e pensou em como mudar o destino de roupas que virariam lixo e, com isso, vem consolidando sua marca própria de upcycling e fazendo a diferença no mercado. Formada em design industrial, com habilitação em design têxtil e moda, ela sempre teve a preocupação com a quantidade de descarte que a indústria de moda produz. Com passagens pela Daslu Homem, além de trabalhar como assistente do estilista Jum Nakao, ela viu como as grandes marcas atuam, e aprendeu dar um novo uso a peças que tinham falhas de produção, através do upcycling. “Fiquei meio chocada ao ver a quantidade de descarte que existe, peças que poderiam ser reutilizadas com transformação”, explica.
Com esse pensamento, ela passou a usar camisas masculinas sem destino no mercado, ou seja, com defeitos, e que eram descarte das empresas, como matéria-prima para criar peças femininas, com design artesanal e totalmente sustentável. Assim, em 2014, nasce oficialmente a Comas, empresa que prioriza transformar a sobra do varejo e tudo que é rejeitado pela indústria em roupas novas e com valor. “Esse ‘lixo’, na verdade, são roupas que ficam paradas em galpões mofando porque não serão comercializadas. Não se pode perder isso. Essas peças têm que retornar ao ciclo vivo do mercado”, diz.
Unindo seu desejo pela criação reciclável e pelo design sustentável, Agustina passou a estudar o setor e as formas de se trabalhar essa cadeia preocupada com o meio ambiente. Ela explica que foi buscar um conhecimento teórico que embasasse sua produção, indo além do pegar uma peça destruída e criar outra; era necessário conhecer de onde a peça vinha, antes de renová-la. Esse aprimoramento teórico rendeu a ela não apenas conhecimento para desenvolver suas peças para a Comas, como também abriu as portas do IED (Istituto Europeo di Design) para que ela desse workshops e aulas de design para sustentabilidade. Ela conta que a ideia é fazer um mestrado na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP) nessa área, mas, com o crescimento da Comas, teve que pôr a parte acadêmica em espera para se dedicar à empresa.
Desconstruindo camisas masculinas, moda que domina, para recriar uma peça feminina – como camisas, vestidos, saias etc. -, a Comas expandiu seus negócios e passou a criar para outras marcas, mas sempre se utilizando de peças de algodão e de resíduos do mesmo tecido. “Eu compro as sobras, as peças com defeito. Mas o que é um defeito? Um furo, uma mancha, um problema de modelagem? O upcycling transforma esse defeito em efeito. E nada se perde.”
Os lotes com defeitos são adquiridos em diferentes fornecedores e, muitas vezes, no caso de jeans, as peças muito danificadas acabam virando um “presente”. “Sim, às vezes, quando vamos comprar, eles nos dão uma leva que é considerada sem valor de venda”, explica, acrescentando que, no upcycling, tudo ganha vida nova na cadeia têxtil.
De acordo com a designer, o upcycling também ajuda em outras questões de sustentabilidade além da recriação de peças, pois, como o jeans já vem lavado, há economia direta de água e energia elétrica.
A próxima empreitada da Comas, ainda em planejamento, é uma coleção praia upcycling toda feita em algodão 100%. Criatividade, preocupação com o meio ambiente e um toque de sensibilidade são os ingredientes para transformar peças que não teriam utilidade no mercado, gerando valor e criando novos usos para um mercado cada vez mais preocupado com a sustentabilidade.