
Do Exército à SPFW, Monica Sampaio é propósito e resistência na moda brasileira
À frente da Santa Resistência, a estilista criou uma moda que valoriza ancestralidade, algodão e o protagonismo feminino negro no Brasil.
Por trás da marca parceira Santa Resistência está uma mulher que virou a chave — e ressignificou sua própria trajetória. Engenheira elétrica de formação, ex-militar e com passagem por setores tradicionalmente masculinos, Monica trocou o mundo corporativo por um motivo maior: criar uma moda com propósito que represente mulheres negras com autenticidade, força e afeto.
Desde então, a estilista tem costurado narrativas que unem ancestralidade, sofisticação e afrofuturismo. À frente da empresa, ela transforma cada peça em símbolo de presença e identidade — como fez na coleção Manifesto Ancestral, apresentada na SPFW N58, reafirmando sua visão de uma moda com propósito profundamente conectada com suas raízes.
Nesta entrevista, a criadora compartilha o que move seu trabalho, o impacto do algodão em sua jornada e como a responsabilidade pode ser uma ferramenta real de transformação dentro da moda brasileira.
SDA. Sua transição da engenharia elétrica para a moda é inspiradora. O que motivou essa mudança de carreira e como sua formação anterior influencia seu trabalho na Santa Resistência?
MS: Tenho muito orgulho da minha trajetória profissional. Trabalhei em áreas majoritariamente masculinas, como aviação, multinacional alemã e até no Exército Brasileiro. Ser engenheira e militar me deu uma bagagem valiosa: disciplina, resiliência e visão estratégica — qualidades que hoje aplico na gestão da Santa Resistência.
A mudança veio por uma questão de qualidade de vida e também por uma inquietação que crescia em mim como mulher, mãe e consumidora. Eu não me via representada na moda brasileira. Não encontrava roupas que dialogassem com mulheres como eu — conscientes de sua negritude, maduras, profissionais, potentes.
Comecei desenhando para mim mesma, ouvindo elogios e percebendo o interesse de outras mulheres. Quando decidi empreender, já sabia que seria nesse território. A Santa Resistência nasceu da vontade de ocupar um espaço que ainda era negligenciado. E virou minha paixão tecer caminhos que me levassem a construir uma moda com propósito.
SDA. A coleção “Manifesto Ancestral” foi inspirada nas tribos Maasai e apresentada na SPFW N58. Como foi o processo de pesquisa e criação dessa coleção, e qual mensagem você quis transmitir ao público?
MS: Quando você pergunta a um brasileiro com sobrenome europeu, asiático ou norte-americano sobre sua origem, ele provavelmente saberá te contar. Mas e nós? E pessoas como eu, com a minha cor de pele? Nossa ancestralidade foi apagada, nossos sobrenomes trocados, nossa história interrompida.
Essa coleção nasceu da vontade de contar uma história — a minha, a da minha filha, e de tantas outras pessoas negras no Brasil. Comecei a pesquisa pela minha própria origem, e isso me levou até a África Oriental, até a tribo Maasai. Um povo de riqueza cultural impressionante.
Criei três estampas para o desfile: uma inspirada no shuka (a padronagem xadrez tradicional da tribo), uma animal print em tons de azul degradê representando o mar de Zanzibar, e uma terceira inspirada nas mulheres pescadoras do arquipélago. A mensagem era clara: exaltar a simbologia e a força de um povo, e ao mesmo tempo celebrar o afrofuturismo. Foi o meu manifesto ancestral — pessoal, político e poético, inserido no contexto de uma moda com propósito.

Santa Resistência SPFW N 58 – Manifesto Ancestral / fotos @victorvieiraph
SDA. Se você pudesse escolher um personagem histórico para vestir, quem seria e por quê?
MS: Elizabeth Bagaaya, do Reino de Toro. Foi a minha primeira homenageada quando estreei na São Paulo Fashion Week.
Princesa de Uganda, ela foi modelo, atriz, advogada, ministra e embaixadora da ONU — tudo isso durante um dos períodos mais opressivos da história africana. Uma mulher à frente do seu tempo, símbolo de resistência e sofisticação.
Ela é a musa da Santa Resistência. Vestir uma mulher como ela seria vestir poder, memória e futuro ao mesmo tempo.
SDA. Qual foi a descoberta mais inesperada ao trabalhar com o algodão em suas criações?
MS: Descobri o quanto o brasileiro valoriza o algodão. Existe uma conexão afetiva e prática com essa fibra — ela é confortável, acessível e representa muito da nossa identidade.
Depois que aprofundei meu conhecimento sobre a cadeia produtiva através do movimento Sou de Algodão, entendi o impacto social, ambiental e econômico por trás de cada peça. Hoje, faço questão de manter cerca de 70% da minha produção com base em algodão. É uma escolha estética e, principalmente, política — coerente com a proposta de uma moda com propósito.



Santa Resistência – fotos do acervo pessoal da estilsita em diferentes desfiles
SDA. A Santa Resistência é reconhecida por seu compromisso com o slow fashion e a valorização das raízes afro-brasileiras. Quais desafios e recompensas você encontrou ao promover esses valores no cenário da moda brasileira?
MS: Empreender com moda no Brasil já é desafiador. Sendo uma mulher negra, essa estrada se torna ainda mais longa e cheia de barreiras. Mas isso não é só sobre mim — é sobre toda uma indústria que ainda precisa entender o valor econômico, cultural e humano da moda.
A falta de incentivos financeiros e o difícil acesso a fornecedores são obstáculos reais. Mas, por outro lado, a recompensa é imensa. Trago minha ancestralidade,
minha brasilidade e minha manualidade para as peças, e isso é reconhecido.
As pessoas consomem a Santa Resistência porque acreditam na mensagem por trás das roupas. Acreditam numa cadeia produtiva justa, num processo transparente, e no valor das pesquisas que desenvolvo em cada coleção. Isso me move. Isso me faz resistir — e seguir. É essa força que torna a minha marca parte de um movimento maior por uma moda com propósito no Brasil.
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Conheça mais sobre o trabalho da estilista parceira Mônica Sampaio nos seus canais oficiais: @santaresistencia e santaresistencia.com.br. Na nossa vitrine de marcas parceiras você encontra mais empresas que constroem uma moda mais responsável ao nosso lado.
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